Já percebeu que praticamente não tem circuitos, museus ou memoriais que lembrem nossa herança cultural africana ou os horrores do comércio escravagista no Brasil? Que país tenta esconder a própria história? Com qual motivo? Pois tem uma luz no fim desse túnel de esquecimento. O Cais do Valongo, na zona portuária do Rio de Janeiro, foi escolhido pela Unesco como Patrimônio da Humanidade. O que isso representa? Tem um valor muito simbólico pro nosso quase inexistente turismo de memória.

O circuito turístico do Valongo é uma aula mais do que necessária pra entender a dinâmica social e urbanística da cidade do Rio de Janeiro, a herança africana e as consequências da escravidão na nossa sociedade. Quer saber como é o percurso e o que visitar? Confira a seguir.
O passeio foi organizado pelas meninas do blog “Na Estrada com as Minas” e contou com a ajuda preciosa de historiadoras que agregaram muita informação interessante ao tour.
Maior porto escravagista do mundo?
O cais foi a primeira tentativa das autoridades de fazer o que se faz até hoje: esconder o que acha incômodo. E fez-se. Se antes os escravos chegavam pela Praça XV, com o Cais do Valongo foi construída uma área mais reservada pra não causar aquele mal-estar na nobreza que andava pelo Paço Imperial e área central. Longe dos olhos …

O cais foi inaugurado em 1817 e encerrou atividades em 1831, com a Lei Feijó. Os números são estimados, mas provavelmente no tempo de funcionamento o Cais do Valongo foi o maior porto de comercialização de escravos das Américas, talvez do mundo.

O Valongo foi uma área tenebrosa pela intensidade – o tráfico negreiro era o principal motor econômico do Império – e pela tragédia humanitária – muitos africanos sucumbiam à travessia, chegavam mortos ou doentes. Os que aguentavam eram vendidos como escravos. Achou pesado? Pois não dá pra jogar pra debaixo do tapete nossas mazelas e erros do passado.
Docas D. Pedro II, obra dos irmãos Rebouças
O prédio Docas D. Pedro II, de 1871, fica em frente ao Cais do Valongo. Olha só, foi projetado por André Rebouças que, ao lado do irmão, foram os primeiros engenheiros negros do Brasil. Sabe o Túnel Rebouças? Em homenagem a eles.

Os irmãos Rebouças são responsáveis por várias outras obras, incluindo a estrada de ferro Curitiba-Paranguá. Atualmente, o prédio é um centro de atividades culturais. Também é parte do circuito histórico e arqueológico de valorização das nossas raízes africanas.
Mercedes Baptista, primeira bailarina negra do Municipal
Foi em 2016 que a Prefeitura do Rio autorizou a instalação da estátua de bronze de Mercedes Baptista no Largo de São Francisco da Prainha, na Praça Mauá.

Mercedes Baptista, falecida em 2014, é considerada uma das precursoras em integrar elementos da cultura africana no balé clássico. É uma parada obrigatória nesse percurso.
Pedra do Sal, reduto do samba carioca
Quem é carioca conhece. É na Pedra do Sal onde acontece um dos sambas mais tradicionais da cidade. Fica na subida do Morro da Conceição e toda segunda-feira tem batucada.
A região está intimamente ligada ao surgimento do Samba. Por ali passaram Heitor dos Prazeres, Pixinguinha, Donga … Nos entornos também é organizado um dos blocos de carnaval mais populares – o Escravos da Mauá.
Durante o dia um dos atrativos é a arte de rua, mas vale a pena se ligar na programação noturna.
Jardins Suspensos do Valongo
É bem próximo ao antigo cais e a rua em frente é onde ficavam as lojas de comércio de escravos. O jardim em si foi construído na mega reformulação urbana de Pereira Passos, no início do Séc XX.

O jardim foi revitalizado nas obras pré-Olimpíadas e hoje em dia é uma área agradável pra passear. Fica aos pés do Morro da Conceição, próximo a Praça dos Estivadores. É interessante a vista que se tem da cidade.

Museu dos Pretos Novos pede ajuda
A parte mais chocante do passeio é o Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos (IPN), sítio arqueológico localizado na Rua Pedro Ernesto, 32, na Gamboa. É considerado o maior cemitério de escravos das Américas. As estatísticas não são precisas, mas calcula-se que 30 mil corpos foram jogados em valas e queimados junto com lixo da cidade. É uma história triste duplamente, pelo que foi e porque corre risco de fechar por falta de patrocínio.
A história do local é incrível. As primeiras ossadas foram achadas em 1996 quando o casal proprietário da casa foi fazer uma obra. O que parecia um lenda urbana de antigo cemitério de escravos acabou se confirmando por arqueólogos e historiadores.

Foi transformado em um memorial e é levado pela proprietária da casa, D. Mercedes. Mesmo diante da imensidão da importância histórica, passadas as Olimpíadas e o boom na zona portuária, o museu perdeu verba e corre sério risco de ter que fechar as portas. O que nos leva de volta à pergunta do início do post.
Quem quiser ajudar, comece fazendo uma visita. Mais informações: IPN Museu Memorial
E você, já visitou o Cais do Valongo? Conte aí o que achou.
Oi, Nivea. Tudo bem? 🙂
Seu post foi selecionado para o #linkódromo, do Viaje na Viagem.
Dá uma olhada em http://www.viajenaviagem.com
Até mais,
Bóia – Natalie