Mulheres viajando sozinhas por um pais muçulmano é assunto suficiente pra ser debatido. Acrescente então o esquema mochila nas costas, orçamento limitado e aquela forte curiosidade de descobrir o que tem pra la de Marrakech. Foi nesse espírito que eu e minha amiga Gabi encaramos uma viagem de 10 dias pelo Marrocos. Passamos longe dos resorts, do glamour dos Riads, das mega massagens com óleo de argan, das piscinas refrescantes dos hotéis. Humildes brasileiras, pegamos transportes públicos, compartilhamos quartos em albergues,encaramos o sol a pé, nos perdemos na Medina, nos achamos, vimos o sol nascer no Saara, andamos de camelo.
Pra nós, o Marrocos ultrapassou a historia de que é uma sensação de sabores, cores e cheiros exóticos. Surpreendeu e incomodou na mesma intensidade. Belas paisagens de um lado, miséria de outro. Perigo de viajar sozinhas, nenhum, mas sentimos bem a dificuldade de viver ali enquanto mulher.
Entre o bem e o mal, fomos andando em frente, sozinhas, e cruzamos o litoral num roteiro combinando Marrakech – Ouazarzate – Zagora – Essaouira – Safi – Casablanca.
Partimos de Lyon, na França, aproveitando uma super promoção da Esayjet que nos permitiu comprar Lyon-Marrakech / Casablanca-Lyon por 98 Euros. Quando o avião sobrevoou o estreito de Gibraltar a emoção foi grande de saber que em poucos minutos estaríamos botando os pés pela primeira vez na África. Brasileiros não precisam de visto pra entrar no Marrocos, basta o passaporte com validade de mais de seis meses. Nas grandes cidades, quem sabe francês tem grande vantagem, mas é possível se virar muito bem com o Espanhol pela proximidade com a Espanha e o inglês ficou corriqueiro por causa do turismo.
Desembarcamos em Marrakech e passamos rápido na aduana, sem nenhum problema. Do aeroporto pegamos o ônibus publico – a linha 19 que faz o trajeto até a centro de 40 em 40 minutos, por simbólicos 30 Dhims. Pra quem for de táxi o preço deve ser mais ou menos de 100/150 Dhims. Veja a conversão aqui. Pegar esse ônibus não é nada do outro mundo, fomos com vários outros gringos muquiranas. São apenas 30 minutos de ônibus até descer no coração da cidade – a praça Jemaa El Fna.
Chegamos já no entardecer e ficando escuro. A primeira impressão é o caos. As ruas sem sinal, vale tudo, e a confusão visual com mulheres de burca ao lado das gringas de shortinho, charretes de passeio, aquele monte de homem usando vestido branco e tudo em meio a cobras dançando.
Depois de alguns momentos hipnotizadas pela praça, resolvemos ir pro nosso incrível hotel de 7 Euros, o Hotel Imouzzer. Acho que deve ser a opção mais econômica de hotel em Marrakech.
O hotel é um Riad (jardim em árabe) no sentido mais original, uma casa de vários andares onde todos os quartos dão para um pátio interior com um belo jardim e uma fonte. Antes residências, com o desenvolvimento do turismo não deu pra evitar que virassem hotéis. Alguns verdadeiros Oasis de charme, outros mais modestos como o nosso. A maioria dos Riads fica dentro da Medina, a cidade fortificada que, no caso de Marrakech, data do século 11, com 19 km de muros de até 10 metros de altura. A Medida é o centro comercial e social da cidade, com mais 40 mil artesãos e trabalhadores empenhados na industria de tecido, cerâmicas, serviços e na hotelaria.
O hotel Imouzzer em Marrakech é bem conhecido de brasileiros que moram na Espanha e na França, então certamente vai encontrar algum grupo por la. O lado bom do hotel é que fica muito bem localizado na Medina e a alguns metros da praça Jemaa El Fna. Outro ponto forte é o terraço bem agradável pra tomar o café da manhã (cobrado a parte 3 EUROS), ambiente familiar e muito seguro. O lado ruim é que os banheiros são coletivos e não tem climatização. Mesmo sendo inverno ficou difícil dormir de noite, a umidade do ar parecia a zero. No verão dizem que o povo todo coloca os colchões no terraço pra dormir, o que pode até ser simpático adormecer vendo as estrelas do céu de Marrakech.
Passamos dois dias fazendo um tour pelos mercados espalhados pela Medina (os souks), pelos jardins e conhecendo a cidade. Além do assédio ostensivo dos homens, não tivemos nenhum problema em relação à segurança.
Foi nesse tempo também que combinamos nosso tour de 2 dias até o deserto de Zagora, nas portas do Saara e divisa com a Argélia por 150 US$. Qualquer agência do calçadão que fica ao lado da praça faz o passeio. Aqui vai nosso erro de roteiro no Marrocos, o deserto é a melhor parte da viagem e deveríamos ter feito o tour de 4 dias entrando mais no Saara. Fica pra próxima vez e vale a dica pra quem vai.
Onde dormir em Marrakech ?
Hotel Immouzer (Quem dorme aqui fica bem próximo das mesquitas e pode ouvir o lamento a partir de 4:00 da madrugada)
Mulheres sozinhas no Marrocos ? Veja as dicas : |
Parece obvio dizer, mas é sempre bom lembrar. Ombro, pernas e cabelo chamam atenção e evite que fiquem a mostra. Em Casablanca a maioria das mulheres se veste de forma ocidental, nem todas se cobrem e vi algumas até com calça jeans estilo « popozuda ». Eu defendo a tese de que uma estrangeira deve se esforçar ao máximo para passar desapercebida. |
Esqueça o « eu sou simpática, não estou te dando mole », os marroquinos são extremamente amigáveis, mas muito susceptíveis ao mal entendido. Ao sair na rua é bem provável que um homem te siga, venha te abordar, ou convidar para um chá de menta. Nos vimos nessa situação muitas vezes. Esse comportamento não esta so ligado à cultura, mas ao fato de que realmente muitas europeias vão ao Marrocos com finalidade de serem paqueradas e algo mais. Isso eu vi com meus próprios olhos. Até você dar o sinal de que você não esta ali pra isso, esses homens vão tentar uma aproximação. Portanto, evite aborrecimentos, não aceite, não seja simpática, não dê papo. Simplesmente ignore ou responda da forma mais seca possível. Geralmente isso é suficiente pra que ele desista. Em casos extremos (raros), não hesite em chamar atenção esbravejando alto. Para cada homem desse que importuna mulheres existem 10 ao lado que abominam esse comportamento e certamente virão ajudar. |
Sair de noite ? No nosso caso, optamos por aproveitar somente o dia. Depois das 18h em todas as cidades por onde passamos ja estávamos no hotel ou albergue. Nota-se a diferença de ambiente quando vai escurecendo – a medina fica um pouco assustadora. Mas caso faça amizade no albergue e saia seja prudente como em qualquer lugar do mundo. |
Não da pra ser ingênuo. Como em todo lugar muito turístico, infelizmente sempre vai ter alguém querendo te passar a perna, vender um serviço 10 vezes mais caro do que é na realidade, falsos guias, agências meia boca. Portanto, antes de ir tenha todos seus hotéis em mãos e não mude de idéia no local. Um golpe muito comum dos « falsos guias » é oferecer albergues e pequenos hotéis logo na chegada dos ônibus em rotas turísticas e em vez de levarem para o hotel aproveitam pra roubar tudo. |
Negocie sempre os preços, faz parte da cultura local mesmo que seja chato e cansativo. Afinal o primeiro valor dado vai ser bem superior ao que o produto realmente vale. No caso de serviços, negocie sempre ANTES de começar. |
Uma noite no deserto, de Marrakech a Zagora
Por um erro estratégico acabamos dedicando muito pouco tempo ao deserto do Saara, na verdade o mais interessante da viagem ao Marrocos. Eu digo que se fosse voltar, não ficaria mais do que um dia nas cidades, dedicaria o tempo quase todo ao deserto.
Contratamos a excursão de dois dias e uma noite que sai de Marrakech passando pelo Atlas, e cidades como Ouazazata até chegar pertinho da fronteira com a Argélia.
Pagamos 150 US$ por pessoa em Marrakech e dividimos o carro com uma família de quatro holandeses.
O passeio foi somente uma amostra do deserto, essa rota de uma noite em Zagora é um aperitivo pros turistas que não têm muito tempo, não querem dormir muito tempo em barracas ou não tem dinheiro pra ficar mais.
A vestimenta cinematográfica do guia se justifica. Hollywood mantém um estudio pra filmagens e passamos em frente a ele na rota em direção a Zagora.
Chegando em Zagora no final do dia, compramos agua e montamos nos camelos. Depois foram mais 1h até o acampamento do deserto, já na entrada do Saara.
A noite foi mal dormida, o vento forte não parava de bater na lona das barracas.
Amanheceu, e tomamos o rumo de volta. Dessa vez a volta de camelo foi mais rápida e o carro nos alcançou em um ponto mais perto.
A viagem de Marrakech a Essaouira
O dia da compra da passagem de Marrakech a Essaouira foi em si uma aventura, formos na rodoviária de ônibus e nos perdemos no caminho. Levamos algumas horas a mais pra chegar até la, mas no final deu tudo certo. Passagem comprada por 60 DIRHAMS com a empresa Supratours, o mesmo trajeto pode ser feito com a CTM. Essas passagens devem ser sempre compradas na véspera.
Ficamos no albergue Essaouira Hostel em quarto compartido por 10 Euros, muito bem localizado dentro da Medina, em uma casa lindíssima, bem limpinho nos quartos e banheiros, mas sem conservação nas áreas comuns. O dono não aparecia há séculos e o único funcionário, apesar de simpático, deixava tudo rolar solto. Clientes com média de idade de 20 anos e querendo curtir. Então, se quiser sossego, fique longe. A localização é o ponto forte.
Essaouira é uma cidade simpática, com muitos turistas, mas que guarda ainda o ar interiorano. A melhor pedida é sentar pra comer frutos do mar nos boxes de restaurantes na beira do porto, o prato principal é sardinha frita, mas existem pratos de culinária requintada, afinal o turismo de base é o francês.
Essaouira é uma cidade simpática, com muitos turistas, mas que guarda ainda o ar interiorano. A melhor pedida é sentar pra comer frutos do mar nos boxes de restaurantes na beira do porto, o prato principal é sardinha frita, mas existem pratos de culinária requintada, afinal o turismo de base é o francês.
Depois de 2 dias em Essaouira era hora de continuar beirando o litoral, mas rumo ao Norte, com pra chegar em Safi, paraíso das cerâmicas e antigo território dominado pelos portugueses.
De Essaouira a Safi : saindo da zona de conforto
Hora de continuar de Essaouira até Safi. Compramos a passagem também na véspera pela CTM (a empresa Pullman também faz o trajeto). Foram 2h de ônibus e 40 DIRHAMS entre Essouira a Safi, a capital da sardinha e das cerâmicas marroquinas.
Todas as viagens no Marrocos foram em ônibus muito confortáveis, com ar condicionado e cadeiras reclináveis. Chegando em Safi nos confrontamos pela primeira vez com a problemática de sair da zona de conforto, a área turística. Safi não é uma cidade muito conhecida e pouca gente fala outra lingua além do arabe. Ficamos meio perdidas e pensamos em desistir de Safi e ir direto pra Casablanca. Depois de cruzar uns lugares assustadores, conseguimos achar a praça central (bem distante da rodoviaria), mas não conseguimos achar nosso hotel. Não tínhamos nem ideia de como chegar.
No plano B, tinhamos o endereço do Riad Safi, dentro da medina velha, 50 EUROS a noite em quarto duplo, bem mais caro do que prevíamos. Achar o hotel no labirinto da medina é impossível, por isso eles recomendam de ligar da porta de entrada e um funcionário prontamente vem buscar os hospedes.
Safi não deixa de ser uma ótima opção, pois longe dos turistas os souks são mais autênticos, os preços mais baixos, a comida mais original. Safi é o Marrocos. Mais autenticidade implica também na força da cultura islâmica, as mulheres andam muito mais cobertas, algumas com a burca completa, só com a tela nos olhos pra ver onde pisa.
A força da mulher esta restrita ao lar, fora dele perde evapora no sol. Não da pra sentar em um café por exemplo, território masculino e tivemos dificuldade pra achar restaurantes pra comer. Por mais incrível que possa parecer, nos sentimos peixe fora d’água, extra-terrestres mas fomos muito menos seguidas na rua e abordadas do que nas cidades turísticas, onde os homens estão mais acostumados (ou deveriam estar) com as estrangeiras. O que vem de encontro a minha ideia de que a ousadia dos marroquinos nas cidades badaladas tem muito a ver com o assanhamento das gringas.
Nosso único episodio foi quando fomos almoçar no restaurante eramos a únicas mulheres sozinhas, apesar de alguns casais Europeus. Diante da insistencia de um cara querendo falar com a gente em arabe de forma bizarra. Como não falamos nada de árabe, não entendemos, mas é certo que o velho não estava nada satisfeito de estarmos ali. Parecia querer intimidar falando alto, foi bem surreal. O garçon se solidarizou e nos colocou em um canto reservado do restaurante pra degustar nosso Tajine em paz. É o tipo de situação incômoda, mas que se você souber ignorar em detrimento de todas as outras coisas boas e diferentes que você esta vendo, no final das contas a viagem vale a pena.
Dedicamos um dia inteiro a visita das fabricas de cerâmica, vendidas a preços bem modestos.
De Safi a Casablanca, fim de viagem
Depois de dois dias em Safi, novamente pegamos a mochila rumo ao norte, agora com destino final de Casablanca, onde passaríamos mais dois dias antes de tomar o avião de volta. Partimos de manhã no ônibus da CTM (que tinha os melhores horários), 90 DIHRMs e 4h de viagem passando por vários povoados.
Chegando em Casablanca a sensação é de fim de viagem, cidade grande, cosmopolita, sem muita coisa pra ver. Os guias de viagem enumeram vários pontos turísticos em Casablanca, mas na minha opinião tudo se resume a Hassan II, terceira maior mesquita do mundo.
Não fiquei muito tempo em Casablanca a ponto de poder julgar bem, mas a meu ver o único atrativo é realmente a mesquita Hassan II, que também é um complexo cultural. Foi inaugurada em 1993 e tem capacidade para abrigar mais de 100 mil pessoas.
Em Casablanca ficamos pela primeira vez na viagem em um albergue da Hostelling International. Não bastasse a minha péssima vontade com a rede HI, comprovadamente foi nossa pior estadia no Marrocos. Atendimento grosseiro e albergue caro pro que é – 150 DRHIM o quarto. Os quartos são relativamente grandes, pegamos um privativo só com nossas camas. Como são abertos em cima, o barulho durante a noite é constante. Os banheiros são coletivos e ficam cheios na maior parte do tempo, assim como o albergue. Um entra e sai constante.
Apesar de não ter atrativos em si, Casablanca recebe mundos de turistas, chegando nos cruzeiros, ou simplesmente como porta de entrada no pais.