A quem interessa manter o povo ignorante sobre sua própria história? Os nossos vizinhos uruguaios sabem que isso não é um bom caminho e construíram um lugar incrível: o Museu da Memória (MUME). Fica em Montevidéu e é dedicado a contar como foi a época da ditadura militar que assolou o país de 1973 a 1985.
Sem meias palavras, o museu chama a Ditadura do que ela é: terrorismo de Estado. A era macabra que tomou conta do cone sul da América Latina a partir da década de 60 promoveu censura, prisões arbitrárias, torturas e assassinatos. No Uruguai foram quase 200 pessoas que desapareceram e ninguém sabe o paradeiro até hoje.
O acervo inclui jornais, fotografias, objetos relacionados às prisões e exílio de quem tentou resistir ao regime autoritário.
Só pra lembrar, o ex-presidente Pepe Mujica ficou preso 12 anos em uma solitária. Só saiu no período da reabertura.
Entre as peças, uma me chamou a atenção. Era uma ficha de antecedentes ideológicos que os inspetores de escolas deviam fornecer para contratar professores. Quem tinha certas tendências esquerdistas era considerado ‘doutrinador’ marxista. Isso lembra algo pra vocês?
Las muchachas de Abril : um dos massacres mais traumáticos da ditadura uruguaia
Em 21 de abril de 1974, pleno auge do autoritarismo, a polícia uruguaia entra às 3h da manhã em um apartamento de Montevidéu em busca de membros da guerrilha de resistência. Disparam 200 tiros em cima de 3 meninas que não ofereceram resistência: Laura Raggio (19 anos), Silvia Reyes (19 anos) e Diana Maidank (22 anos). Silvia estava grávida e a polícia procurava na verdade por seu marido Washington Barrios, que havia fugido pra Argentina. Nunca mais apareceu e entrou para as estatísticas de desaparecidos.
As meninas foram enterradas em caixão fechado porque ficaram desfiguradas. Ninguém foi punido até hoje, apesar de os militares terem sido identificados por testemunhas. O caso segue aberto na justiça.
Nos 40 anos do massacre de “Las muchachas de Abril”, o MUME, com ajuda dos familiares, fez uma exposição com objetos pessoais e cartas que pertenceram às meninas. Em abril de 2019, o massacre completou 45 anos e novos atos foram promovidos no Uruguai pra não deixar esquecer um dos episódios mais brutais da ditadura.
O caso da professora Nibia Sabalsagara
Ela tinha 24 anos e foi vítima do terrorismo de Estado na Ditadura Uruguaia. Nibia era professora de literatura e militante estudantil da Unión de Juventudes Comunistas-UJC. Foi sequestrada na madrugada de 29 de junho de 1974 por três militares a paisana invadiram sua casa.
Dez horas depois do episódio, a família recebeu um telefonema para que o corpo fosse retirado do Hospital Militar de Montevidéu. Motivo da morte : suicídio por enforcamento. Foi proibido à família na época realizar uma segunda autópsia, mas um exame médico indicou que não havia sinais de enforcamento no corpo. O episódio gerou uma greve geral de estudantes e muitas mobilizações, mas nenhum militar foi punido.
Os amigos e familiares mandaram lapidar uma placa na sepultura escrito: “Morta heroicamente em luta por justiça social”. A polícia arrancou a homenagem e ainda deteve familiares de Nibia. Eis que a placa aparece 37 anos depois quando alguns arquivos da ditadura uruguaia começaram a aparecer, A placa é uma das peças em exposição no Museu da Memória.
O acervo do museu é bem grande e conta vários outros casos da ditadura Uruguaia, muitas das histórias infelizmente bem parecidas com as que aconteceram aqui no Brasil.
O MUME fica meio afastado do centro de Montevidéu, no bairro Prado Norte. O local é bem grande com um jardim agradável, dá pra ficar algumas horas por ali. Pra todo mundo que se interessa pelo assunto (ou deveria se interessar), a visita é imperdível.